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domingo, outubro 27, 2013

Estupros como arma de guerra Na praça Tahrir, quando a noite cai, as mulheres não conseguem impedir a humilhação e a violência do sexo não consentido

Os mais de 50 mortos no tiroteio no Cairo, na semana passada, foram destaque em praticamente todos os jornais brasileiros.

O massacre polarizou radicalmente o Egito. Especialistas decretam em seus artigos que as chances de um novo governo de consenso tornaram-se remotas. Nações se dividem entre condenar o golpe ou ignorá-lo. Enfim, política, diplomacia e mortes em massa fazem as manchetes. Mas são outros os números que quero trazer neste artigo. Entre 28 de junho e 3 de julho, 180 mulheres sofreram ataques sexuais no Cairo, segundo a Anistia Internacional. Serão os estupros uma arma de guerra?

Organizações egípcias de proteção às mulheres entendem que sim e acusam os manifestantes pró-Morsi, da Irmandade Muçulmana, de espalhar o terror. Mas não há provas de que isso seja verdade. É certo que as posições da antes obscura Irmandade Muçulmana ficam cada vez mais nítidas no que diz respeito às regras de comportamento feminino. Comunicados oficiais do partido ainda durante o governo Morsi deixavam claro que, segundo a doutrina religiosa, o marido deve tutelar a mulher e não estabelecer com ela uma parceria. A violência sexual do marido contra a mulher não deve ser considerada um estupro. E a herança deve privilegiar os filhos em detrimento das filhas.
Por outro lado, há dezenas de vídeos na internet que mostram com assustadora clareza o que acontece na praça Tahrir quando a noite cai. No momento em que se forma uma roda de homens em torno de uma mulher o destino dela está traçado e nada pode impedir a humilhação e a violência do sexo não consentido. E não se vê nessas imagens, em geral feitas por cinegrafistas amadores, a intervenção dos militares responsáveis pelo golpe – e tão queridos pela população – na defesa às vítimas da praça Tahrir.
A agressão a mulheres não é novidade na cultura egípcia. Pesquisas do Centro Egípcio Pelos Direitos das Mulheres mostram que 98% das turistas que visitam o país sofrem algum tipo de abuso sexual, ainda que não sejam estupradas. Oitenta e três por cento das egípcias relatam já ter passado por algum episódio de violência sexual. E o mais alarmante: 62% dos egípcios admitem que molestam mulheres. Cinquenta e três por cento dos homens culpam as mulheres por levá-los a esse tipo de comportamento. Jornalistas da rede britânica BBC entrevistaram adolescentes egípcios, não necessariamente envolvidos em grupos pró ou contra Morsi, que confirmam essas estatísticas. Eles admitem que vão aos protestos apenas para olhar as mulheres e que, quando têm chance, tentam apalpá-las e até violentá-las. Alegam que elas estão vestidas de maneira provocativa (não cobertas pelo véu islâmico).
A meu ver, há mais do que estratégia de guerra nessa escalada de violência contra a mulher. Há ódio e preconceito brutais. Mulheres chegam aos hospitais com a genitália cortada a navalhadas. Não me parece que estamos falando apenas de estupros, mas de uma tentativa premeditada de calar a voz da mulher, impedi-la de sair às ruas e manifestar-se como cidadã. E que esse movimento não está contido nesse ou naquele partido, mas numa cultura que há séculos tolera atos horrendos de violência como a mutilação genital feminina. E o mundo inteiro sabe disso.
Ana Paula Padrão é jornalista e empresária

Irritação selvagem "Meus dados cadastrais que inocentemente forneço para ler uma página que me interessa na internet são vendidos para empresas"


Não estou num bom dia para escrever sobre coisa alguma. Só o que me vem à cabeça é reclamar, reclamar, reclamar. Afastem-se de mim. Sou um ser insuportável. 


Na verdade eu estou triste. Muito triste. E, como não tenho nenhuma vocação para atristeza, transformo qualquer sinal de infelicidade em uma profunda irritação com coisas que merecem, sim, meu desconforto, mas jamais o meu fígado.



Estou muito cansada do congestionamento infernal que me faz chegar 40 minutos atrasada ao aeroporto só para ter que esperar mais uma hora porque a aeronave em que eu embarcaria está com problemas técnicos e vamos ter que trocar de portão, de avião e de tripulação. 



Não aguento mais falar sobre o mensalão, mas ninguém vai para a cadeia e vamos ter que aguentar mais uma rodada de togas em legítima fúria no Supremo Tribunal Federal e meu temor é que acabemos concluindo que os réus eram todos inocentes, coitadinhos. 



Estou furiosa por ter sido enganada pagando por um serviço de internet banda larga na minha casa e recebendo uma bandinha que faz coreto de cidade do interior parecer enorme. O serviço de atendimento telefônico informa que estou certa, mas que os técnicos só podem me visitar dentro de três semanas e não, não podem marcar horário, o que significa que tenho que ficar o dia todo esperando. 



Perdi a paciência com essa comoção toda por causa do esquema de espionagem que o Obama patrocinaria contra o governo brasileiro quando meus dados cadastrais, que inocentemente forneço para ler uma página que me interessa na internet, são vendidos para empresas que lotam minha caixa postal oferecendo coisas que eu não quero comprar.



Estou indignada com as imagens recorrentes dos hospitais públicos que tratam gente tal e qual lixo e igualmente indignada com a maneira como essas imagens são repetidas à exaustão em todos os canais de televisão, transformando o drama individual e legítimo de cada doente em um massacre público e cruel. 



Estou irritada com o fim das manifestações de rua que paravam o trânsito, mas abriam as comportas da insatisfação popular contra tudo e contra todos, justo como eu me sinto neste momento, justo nesta hora em que eu estava pronta para aderir de corpo e alma a qualquer protesto, qualquer levante, qualquer motim.



Minha irritação é tristeza e me transforma em uma selvagem.



Estou triste porque uma das pessoas de melhor coração que já conheci na vida foi embora justamente numa parada cardíaca fulminante, aos 52 anos de idade, e isso não é justo. Nem com ela nem comigo, que sou uma egoísta e não posso perder aquilo que conquisto de melhor: a amizade, a generosidade, a alegria.



Estou triste porque minha amiga se foi sem que eu pudesse dizer a ela o quanto tudo que ela fez foi mais importante do que qualquer coisa que eu jamais faça porque nela era tudo tão espontâneo e natural.



Estou triste e tão irritada porque, em homenagem a ela, decidi cumprir um dos acordos que fizemos e jamais respeitamos, mas que desta vez vou ter que honrar: parei de fumar. 



Agora é sério, Siomara Tauster. Já não podemos mais fazer de conta uma para a outra e depois rolar de rir da traquinagem. Fim da brincadeira. O que é muito, muito triste. 


Ana Paula Padrão

Uma epidemia silenciosa No Brasil, estima-se que 25 pessoas cometam suicídio por dia e a tendência é de crescimento entre jovens


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Ocorrida na segunda-feira 9, a morte do músico Champignon (Luiz Carlos Leão Duarte Junior, 35), ex-baixista da banda Charlie Brown Jr, registrada pela polícia como suicídio, abriu espaço para o tema nas primeiras páginas dos jornais, no noticiário da tevê, nas redes sociais.
O interesse no caso de Champignon, entretanto, está muito aquém da mobilização e das providências urgentes que o tema suscita. Suicídio é um problema de saúde pública a ser encarado como tal.
No Brasil, estima-se que 25 pessoas cometam suicídio por dia. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a tendência é de crescimento dessas mortes entre os jovens, especialmente nos países em desenvolvimento. Nos últimos vinte anos, o suicídio cresceu 30% entre os brasileiros com idades de 15 a 29 anos, tornando-se a terceira principal causa de morte de pessoas em plena vida produtiva no País (acidentes e homicídios precedem). No mundo, cerca de um milhão de pessoas morrem anualmente por essa causa. A OMS estima que haverá 1,5 milhão de vidas perdidas por suicídio em 2020, representando 2,4% de todas as mortes.
Em muitos países, programas de prevenção do suicídio passaram a fazer parte das políticas de saúde pública. Na Inglaterra, o número de mortes por suicídio está caindo em consequência um amplo programa de tratamento de depressão. Ações semelhantes protegem vidas nos Estados Unidos. Um dos focos desses programas é diagnosticar precocemente doenças mentais. De acordo com uma recente revisão de 31 artigos científicos sobre suicídio, mais de 90% das pessoas que se mataram tinham algum transtorno mental como depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar e dependência de álcool ou outras drogas.
No Brasil, porém, persiste a falta de políticas públicas para prevenção do suicídio, com o agravo da passagem do tempo e do aumento populacional. Em 2006, o governo formou um grupo de estudos para traçar as diretrizes de um plano nacional de prevenção do suicídio, prometido para este ano. O que temos até então é um manual destinado a profissionais da saúde. O nome do documento é Prevenção do Suicídio - Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental.

Reduzir o suicídio é um desafio coletivo que precisa ser colocado em debate. “Nossa resposta não pode ser o silêncio. Nossas chances de chegar às pessoas que precisam de ajuda dependem da visibilidade", disse-me o psiquiatra Humberto Corrêa para um artigo sobre suicídio publicado pela corajosa revista Planeta (Suicídio aumenta no Brasil, mas isso poderia ser evitado, edição 421, Outubro de 2007). "Uma das nossas tarefas é convencer donas de casa, pais, educadores, jornalistas, publicitários, líderes comunitários e formadores de opinião de que o debate sobre o suicídio não é uma questão moral ou religiosa, mas um assunto de saúde pública e que pode ser prevenido. Aceitar essa ideia é o primeiro passo para poupar milhares de vidas", alertava o especialista.

Penso nos casos ocorridos no meu círculo de relações e de que nunca esqueci. No primeiro ano da escola de jornalismo, um colega de sala, Zé Luiz, se matou bebendo querosene. Tinha 18 anos, era inteligente, crítico, um tanto irônico. Há alguns anos, o filho adolescente de um amigo pulou pela janela, deixando-o perplexo por nunca ter visto qualquer sinal de que isso poderia acontecer. Também se matou, aos 20 anos, a filha de uma jornalista e socióloga com quem trabalhei. A história virou filme pelas mãos de sua irmã Petra Costa. Lançado em 2012, “Elena” é um mergulho profundo nas memórias, sentimentos e questionamentos, enfim, em toda complexidade e perpetuidade do suicídio de uma pessoa amada. Mais recentemente, me admiro com a coragem de uma amiga próxima em busca do equilíbrio após o suicídio inesperado do companheiro. Sim, prevenir o suicídio é um assunto que interessa. Danem-se os tabus.
Orientações úteis
Reproduzo abaixo trechos de entrevista em vídeo concedida pela psiquiatra Alexandrina Meleiro, especialista em suicídio, ao Canal da Psiquiatria, da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Canal da Psiquiatria – O que um pai ou uma mãe devem fazer quando ouve o filho falar em suicídio? 
Dra. Alexandrina Meleiro – Se o pai ou mãe já percebeu que o filho está falando em suicídio, significa que já notou alterações que começam a aparecer no comportamento do adolescente quando existe a ideia de suicídio. Pode estar entristecido, dependente de drogas, se sentindo abusado por colegas por bullying. Então é fundamental que pais e mães estejam atentos a mudanças de comportamento. Quando observar algo, sem preconceito nenhum, procure um psiquiatra. Ele dará o diagnóstico para saber se essa criança ou adolescente tem depressão, está com algum distúrbio a ser tratado e principalmente se há abuso de drogas, o que é importantíssimo no caso de suicídio.

Canal da Psiquiatria - Se uma pessoa fala em suicídio, deve-se evitar o assunto ou falar com ela sobre isso? 
Dra. Alexandrina Meleiro – Isso é importante. Diz-se que falar em suicídio vai incentivar a prática. Não é verdade. As pessoas vão se sentir mais confortáveis ao poder falar e verbalizar o que estão pensando e não têm coragem de dividir com alguém. Ao dividir, elas vão se tranquilizar e muitas vezes não irão se mobilizar mais para esse ato tão pesado. A pessoa poderá partilhar o que sente e ser orientada por um psiquiatra.

Canal de Psiquiatria – O suicídio é uma urgência médica?
Dra. Alexandrina Meleiro – Sim. Todos os médicos, de qualquer especialidade, devem estar alertas e saber como encaminhar o caso. Todos podem estar diante de jovens e idosos com risco de suicídio.


COMO SE INFORMAR
- Livros
Suicídio, uma morte evitável, de Humberto Corrêa (Ed. Atheneu)
O Suicídio e sua Prevenção, de José Manoel Bertolote (Ed. UNESP) 
- 3º Seminário do Projeto UERJ Pela Vida 
Acontecerá no dia 24 de outubro de 2013, no Rio de Janeiro, promovido pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Irá abordar o suicídio além da perspectiva individual, estabelecendo sua dimensão coletiva e discutindo o comprometimento dos diversos segmentos sociais com a questão. Informações: uerjpelavida2011@gmail.com. Inscrições gratuitas

Amarildo em nosso futuro Não cabe transformar o esforço de investigação da morte de Amarildo numa campanha política contra as UPPs

A tortura e morte do pedreiro Amarildo é uma tragédia que define um limite em nossa política de segurança pública.
Amarildo foi morto nas dependências de uma UPP, a mais avançada iniciativa das autoridades do Rio de Janeiro para defender a população pobre daquele Estado.
Não conheço nenhuma crítica racional às UPPs nem encontrei uma única voz capaz de apresentar objeções consistentes às perspectivas de melhoria que elas oferecem a milhões de brasileiros excluídos pela Historia.
As UPPs não representam uma porta para o Paraíso mas são uma janela realista para a conquista de um padrão mínimo de bem-estar pela maioria da população.
Devem ser aprimoradas.
A tragédia revela, porém, a distância entre aquilo que se fez e o que precisa ser feito.
A descoberta de que, após a morte de Amarildo, entrou em ação uma máquina bem azeitada para apagar pistas capazes de levar aos responsáveis, embaralhar indícios e confundir a investigação demonstra o grau de cumplicidade de uma parcela da hierarquia da Polícia Militar com um crime definido, pela Constituição, como imprescritível e inafiançável.
Cabe, portanto, investigar e apurar todas responsabilidades.
Mas não cabe transformar o esforço de investigação numa campanha política contra as próprias UPPs, como registra Janio de Freitas em sua coluna de hoje:
“A campanha estendeu-se de (Sergio) Cabral para as UPPs, e recaiu sobre o secretário Beltrame. Ou seja, o uso político da tragédia de Amarildo levou seu efeito corrosivo ao trabalho social que decorre do modelo de ação nas favelas, ou "comunidades", já com resultados que mudaram o convívio urbano e suburbano em grande parte do Rio.
Para Janio, “o pobre Amarildo foi um morto comum nas mãos de policiais com vocação criminosa, entre tantos cujos nomes e destinos pouco ou nada importam à opinião pública. O morto Amarildo tornou-se arma política. “
A questão é essa.
A tortura e a execução de cidadãos pelas autoridades policiais constituem crimes frequentes na existência dos brasileiros humildes, tenham ou não antecedentes criminais.
As UPPs representam uma possibilidade de mudança nesta situação, também. Em outros tempos, seria difícil imaginar uma reação tão vigorosa da família de um pedreiro, de seus amigos, e daquilo que se costumava chamar de “sociedade civil” pelo receio de empregar o termo politicamente adequado, que é povo.
A prisão de 25 PMs apanhados em graus diversos de responsabilidade no caso permite pensar que se criou -- com auxílio das próprias UPPs -- uma situação política nova, incompatível com o massacre de cidadãos comuns. É um progresso sem antecedentes e sem comparação.
Não pode servir, portanto, para abrir caminho a um retrocesso.